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Tarsila

pedrocardosoleao


Tarsila

Julho 2003

60 x 80 cms

Óleo sobre tela

Coleção particular de Tarsila Pereira Tirapelli


Trecho do livro "Retratos", trabalho de graduação do curso de Artes Plásticas da FAAP:


Tarsila: nome de artista. Explica-se pelo fato de o pai dela ser artista. Um pintor, pesquisador e professor do barroco brasileiro chamado Percival Tirapelli. Tarsila em si não era artista. Não pintava, a não ser para se divertir com as tintas e telas do pai. Não esculpia e nem fazia gravuras. Tirava apenas fotos dos amigos. Tinha algum conhecimento de artistas, ensinado pelo pai em grande parte. Já ouvi dizer que o talento pula uma geração. Aplica-se ao meu caso, filho de uma médica que por sua vez era filha de artistas. E aplica-se ao caso de Tarsila. Será que os filhos dela seriam artistas?


Que importância Tarsila teve na minha vida! Nos conhecemos na adolescência. Mas sinto como se fossemos amigos de infância. Minha adolescência foi passada em grande parte na companhia de meninas. Não me interessava pela companhia de rapazes e suas constantes provas de masculinidade, a truculência, a imaturidade. As garotas eram mais plácidas. Foi ela que me apresentou a Tinkerbell. Foi ela a responsável por uma cadeia de acontecimentos. Enquanto isso, ela teve seu próprio namorado. Mas trocávamos confidências, curiosidades, primeiras vezes, crescíamos juntos.


Tarsila tinha um jeito tão palhaço e ao mesmo tempo tão lascivo. Desconcertava-me o fato de que os amores de Tarsila tinham sempre qualquer coisa que ela relacionava comigo. Ou eram rapazes tímidos, mas com aquela animosidade no olhar; ou eram pessoas com pretensões artísticas. Ela dizia que eram amálgamas de seu pai e seu melhor amigo. Paralelo às nossas simultâneas descobertas do amor, ela apresentou-me ao pai dela, e tive minhas primeiras dicas de pintura. E os primeiros embates entre minha namorada e minha arte. Eu evoluía: Tarsila estava constantemente lembrando-me de meu potencial para as artes, e indignando-se quando eu dava qualquer sinal de não pretender seguir adiante com o “dom”. E assim, encorajado por ela mais do que qualquer outra pessoa, ingressei no curso de artes.


Tarsila ingressou em um curso de administração na USP. Sempre me perguntei se ela não acabaria fazendo algo relacionado a arte: administração de museus, instituições, galerias, etc. Na faculdade, Tarsila sumiu. Apesar da proximidade das faculdades de publicidade e administração da USP, era raro nos encontrarmos. Recebia notícias dela vez por outra, na época de seu aniversário e no fim de ano: Tarsila adorava festas! De certa forma, ouvir de Tarsila apenas nestas épocas era como circunscrevê-la, eliminar da minha memória qualquer referência de que ela, algum dia, teve dificuldades. Ela tornava-se apenas festa e felicidade. Apenas seu jeito jocoso. É claro que eu recebia algumas notícias dela e das brigas com namorados, das intermináveis dúvidas em relação ao curso de administração, essas infelicidades triviais. Mas não conseguia lembrar-me dela fazendo uma cara triste.


Um dia ela ficou com saudades e marcamos de nos encontrarmos na faculdade. Avisara-lhe dos meus retratos e ela, toda empolgada que era, trouxe uma sacola de roupas, jóias e adereços. Era bom revê-la: feliz, falando alto e rápido. Ao menos por uma tarde, voltei a ter aquela sensação da Tarsila do colégio. Aquela que parecia afoita para contar-me de sua vida.


Fotografei Tarsila no espaço aberto e verde da USP. Foram muitas fotos. Incontáveis. Era uma grande brincadeira: ela se travestia, perguntava-me que jóia era mais bonita, fazia poses. No fim, de todas, escolhi as fotos mais sérias. Talvez fosse mais condizente retratá-la sorrindo. Porém havia mais personalidade naquela boca semiaberta, seduzindo. Ela raramente homenageava alguém com seu lado sério.


E então, justo antes de nos despedirmos, ela dirigiu-se a mim pelo meu nome inteiro, sem diminutivos ou abreviações. Quiçá estivesse fazendo isso desde o começo, mas só naquele momento percebi. Achei ridículo pedir-lhe que me chamasse por abreviações carinhosas de nossa adolescência, e por isso não lhe disse nada. Disfarcei uma lufada de melancolia. Estávamos já tão distantes?

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