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Lilly

pedrocardosoleao

Lilly

Maio 2002

Óleo sobre tela

50 x 40 cms


Curioso sobre as diferenças entre a tinta a óleo e a acrílica que eu costumava usar, refiz o quadro em acrílica.


Lilly

Julho 2002

Acrílica sobre tela

50 x 40 cms


Trecho do livro "Retratos", trabalho de graduação do curso de Artes Plásticas da FAAP:



Do blog da Chebel


E tem a mulher superior. Aquela por quem nossos namorados nos trocam.A mulher superior não bebe e não fuma. Ela se alimenta como um passarinho e bebe suco de alguma fruta exótica nas baladas. Ela é zen. Ela não passa a noite de olhos caídos e maquiagem borrada, trocando as letras, tropeçando, falando bobagem, dando vexame e se esquecendo de tudo no dia seguinte. Fala baixo, ri simpática, é discreta e chique. Mas, acima de tudo isso, ela é uma magra saudável. Ou seja, o oposto da junkie ou da bad girl


Quando entrei no curso de publicidade da USP anos atrás, me senti um pouco perdido. Suponho que seja normal para muita gente. Era um lugar novo, gente nova que eu nunca havia visto antes. Nessas condições, e com toda a recepção de calouros acontecendo, tudo era rápido demais para que eu memorizasse qualquer coisa: nomes, rostos, lugares. Mas com algumas horas daquilo, aos poucos os rostos foram sendo reconhecidos, memorizados. Os nomes não: sempre tive dificuldade com os nomes... São dessa época minhas primeiras memórias de Lilly.


Ela era alta, loira, linda e elegante. A mulher superior. Lembrava-me aquela atriz que, quando pequena, fez a garotinha em Entrevista com o Vampiro. E sorria, como sorria! Um sorriso lindo de uma boca fascinante: jeitinho de garota ingênua e tímida. Ou ficava imóvel, introspectiva, blasé, parecendo posar para um desenhista enquanto as idéias vagavam. Não demorou muito para que estivesse engajada em conversas com os rapazes. E eu lá, reles mortal, desengonçado e estúpido. Sem capacidade sequer para puxar papo. Ignorei, e segui com a minha vida.


Encontrava-a de vez em nunca, quando acontecia de eu chegar mais cedo na USP. Ela estudava jornalismo de manhã e eu publicidade à noite. Sempre que a via por lá, seguia-a com os olhos e nada mais, conformado com o fato de que alguém assim jamais interagiria com gente como eu.


O primeiro semestre na faculdade nova levou um pouco de ajustes, adaptações. Mas no segundo semestre, já muito bem acostumado, fui para meus primeiros jogos universitários. Que bagunça... Comi mal e dormi pior ainda. Mas era tão absurdamente divertido! Na minha mala, havia trazido a câmera de meu pai, lentes e tudo. E Lilly estava lá.


Passou pela minha cabeça a idéia de roubar-lhe a beleza. Se não tinha coragem para roubar-lhe um beijo, que fosse o rosto em uma foto então. Que ela nem percebesse. Que fosse apenas um fetichismo banal. Uma foto para a parede do quarto, entre tantas outras.


Começou então um balé sutil como a coreografia vista em filmes de espionagem. Nenhum dos dois demonstrava estar ciente da presença do outro. Ela sentava-se nas arquibancadas com as amigas, fingindo entreter-se com os jogos; e em algum ponto daquela mesma arquibancada, eu encaixava uma teleobjetiva na máquina de meu pai e fazia mira por entre aqueles rostos que em nada me interessavam. Ela então se reclinava dissimuladamente para trás, colocando-se atrás do corpo da amiga e fora de minha mira. Eu mudava de posição e era tempo suficiente para que ela arranjasse conversa com alguém e virasse o rosto. Ou encontrava um lugar que tivesse bastante sombra, para que eu não conseguisse luz suficiente para uma foto a longo alcance.


É claro que ela sequer sabia que havia alguém tentando tirar-lhe uma foto. Não tinha idéia de como havia evitado com sutileza magistral a todas as minhas investidas. Ou sabia? Sim, em algum momento ela acabou percebendo. Os rapazes que estavam com ela começaram a colocar-se no meio das fotos também. E ela parecia obviamente perturbada com a situação. Que embaraço... arruinei tudo. Abortar missão.


O que eu era aos olhos dela? Ameaça. Sentia-me reduzido ao personagem do maníaco com uma câmera, a caçar-lhe uma foto.


Mas então ela chegou no último dia, sentou-se com a amiga em um dos bancos do alojamento, logo na minha frente, e deixou-se estar, mexendo nos cabelos com aquele olhar perdido em pensamentos. Descuido ou concessão, na verdade não sei. Eu que estivera com a máquina no colo, encaixando lentes e fazendo ajustes para uma outra foto banal qualquer, virei a câmera para o lado dela, no meu colo mesmo, e muito lentamente apertei o botão: clique. Um estalo perdido no burburinho.


Que sorte! Outras chances viriam e muito poucas seriam coroadas com sucesso. Mas certamente nenhuma outra foto seria tirada assim, de pertinho, sem teleobjetivas e seu efeito de achatar a imagem.



Tempos depois, o retrato já feito, aconteceu a mostra de artes dos alunos da ECA. Querendo colocar o retrato na mostra, senti a necessidade de antes explicar a Lilly sobre o que havia acontecido. Esperanças de corrigir ou ao menos diminuir o status de maníaco. E eu apareci entre toda aquela gente, e chamei-a pelo nome após um longo momento de hesitação. Sentia-me sujo, denegrido, como o maníaco. Ela me recebeu calma e educada.


Eu geralmente tenho toda a facilidade do mundo para começar a falar sobre as coisas que eu faço. Sobre estes retratos. Mas com ela, as palavras me fugiam, zombavam de mim, me pregavam peças. E o tempo todo eu ficava com um sorriso imbecil no rosto, um nervosismo gritante, conduta alterada.


Ela, por outro lado, tratava o assunto com toda calma do mundo. Repreendeu-me, sempre muito meiga, pelo jeito que eu a persegui. E disse-me para, da próxima vez, tentar explicar tudo antes. Que ótimo: de sentir-me como um maníaco, passei a sentir-me como uma criança.


Mostrei-lhe a foto e a pintura. E, uma vez que tudo foi explicado e entendido, ela pareceu lisonjeada com tudo aquilo. Aceitou de muito bom gosto que eu colocasse a pintura na mostra. Depois me mostrou aquele belo sorriso como quem dispensa um cortejador inoportuno.


Depois disso, se a vi três vezes, foi muito. Ficou em algum recôndito da minha memória, como as fotos esquecidas junto das outras referências para pintura. Aparecia vez por outra quando eu procurava alguma referência antiga no meio daquela papelada. Ou nas festas da faculdade. Ou apenas seu nome nos jornais internos produzidos pelos alunos. E não que eu me esforçasse muito para procurar. Sabia do desconforto que eu lhe causava e que ela não deixava transparecer.


Apareceu um mês depois, de repente, ao meu lado, na lanchonete do espaço de vivência. Aquela cordialidade e educação de sempre. Pela primeira vez vi nela um sinal de hesitação antes de me pedir aquela foto. Eu tentando segurar minha papelada, a carteira e outras besteiras, novamente fiz papel de completo idiota. Mas concordei em trazer-lhe a foto.


Sentia-me orgulhoso de que ela quisesse ter aquilo. A foto não estava em perfeito estado, tendo algumas manchas de tinta a óleo já secas: parecia uma relíquia, algo muito antigo. Eu achava que ela a queria por uma espécie de orgulho narcíseo. Para poder contar esta história. E isso me envaidecia ainda mais, enchia-me de orgulho pois me dava a impressão de que eu havia conseguido causar-lhe aquela sensação de maravilhamento, tocá-la.


Mas poucos dias depois, assim que aquela foto saiu de meus dedos, comecei a perguntar-me paranoicamente se ela não queria na verdade destruir a foto. Eliminar algo que ela achava ser o objeto de fetiche de um maníaco. Acho que essa foi a última vez em que trocamos algumas palavras. E de fato nunca cheguei a perguntar-lhe por que ela queria a foto. E tem importância? Recusava-me a transformar aquilo em um verdadeiro objeto de fetiche. Isso transformaria a mim em um verdadeiro maníaco.



E de qualquer forma, digitalizei a imagem para tê-la no computador...

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